Experiências tradutórias

Apresento nesta página
obras e autores
que merecem ser traduzidos


(1) Bernard Friot


Bernard Friot (francês, nascido em 1951) escreve para crianças e adolescentes. Trabalhando inicialmente como professor, descobriu que misturar realidade e imaginação era a melhor maneira de atrair a atenção de seus alunos... e futuros leitores.


Os leitores de hoje nem sempre estão dispostos a ler, porque têm mais o que fazer, e porque têm pressa, muita pressa. Então, as histórias também devem ser breves, ágeis, apressadas!


Friot já escreveu inúmeras histórias apressadas, que em alguns minutos oferecem uma emoção, um sorriso, uma surpresa. Narrativas fáceis de ler, fluidas, que captam o interesse.


Estes são alguns dos seus livros:




Traduzo uma de suas histórias apressadas: Façons de parler (em: Nouvelles histoires pressées, Éditions Milan, 2007, págs. 39-41)


Modos de falar

Papai  dá aula de português... Ah, desculpa: meu pai leciona língua portuguesa e literatura brasileira. E posso garantir que ter isso todos os dias é muito chato! Ou melhor dizendo: por vezes a profissão de meu pai causa-me algumas contrariedades.

Outro dia, por exemplo, eu estava serrando uns pedaços de madeira e abri um talho no meu polegar. Um corte feio! Fui correndo até meu pai, que estava na sala lendo um livro.

— Papai, papai! — gritei, esticando o dedo machucado. — Rápido! Um curativo! Tá espirrando sangue pra tudo que é lado!

— Você poderia se expressar corretamente, por gentileza — respondeu meu pai, sem sequer levantar os olhos do livro.

— Querido pai — eu me corrigi —, acabei de cortar meu polegar e o sangue está jorrando da ferida abundantemente.

— Agora sim você expôs os fatos de modo claro e preciso — papai declarou.

— Mas vamos logo, pai, que isso aqui tá doendo que é um horror! — deixei escapar. — Não estou mais aguentando!

— Lucas, eu não compreendo esse linguajar — replicou meu pai, insensível.

— A dor está insuportável — traduzi —, e eu ficaria extremamente grato se o senhor pudesse, sem demora, tomar as providências necessárias.

— Assim é bem melhor — disse meu pai, satisfeito. — Examinemos um pouco mais de perto esse arranhão.

Largou o livro, e finalmente olhou para mim. Eu estava com uma careta de dor, segurando o dedo que não parava de sangrar.

— Mas o que  é isso!? Você pirou de vez? — gritou meu pai, furioso. — Dê o fora daqui, rapaz! Você está espirrando sangue pra tudo que é lado! Olha como você emporcalhou de sangue o tapete! Vá correndo pro banheiro limpar essa mer...! Isso está parecendo um açougue!

Eu quase respondi: “Querido papai, seu modo de falar é completamente incompreensível para mim. Peço-lhe, portanto, que se expresse com o linguajar adequado”. Mas preferi não dizer nada.

Só quero deixar claro que entendi muito bem o que ele estava querendo me dizer. Afinal, sou bom em línguas!