terça-feira, 31 de julho de 2012

Valery Larbaud, rogai por nós!

Infelizmente esgotado entre nós, o livro Sob a invocação de São Jerônimo (São Paulo: Mandarim, 2001), do escritor francês Valery Larbaud (1881-1957), é leitura essencial para quem se dedica a traduzir ou aprecia esse trabalho, essa arte.


Graças à Estante Virtual, porém, você pode adquirir um exemplar em bom estado, com preço acessível. E encontrar nesse texto a voz de um verdadeiro literato, de um amante da palavra, de um espírito livre, traços intelectuais que sempre foram raros. Agora são raríssimos.


E a paixão tradutória em cada página. Larbaud capta a sutileza exigida para praticar este ofício. Porque existe uma balança. Os tradutores bem sabem...


Num dos pratos, depositamos uma a uma as palavras do Autor; no outro, experimentamos alternadamente um número indeterminado de palavras pertencentes à língua para a qual estamos traduzindo esse Autor, e aguardamos o instante em que os dois pratos estejam em equilíbrio. (pág. 78)


Impossível equilíbrio! Necessária utopia... Traduzir tem muito de experiência e ousadia, exatidão e devaneio, tentativa e erro, intuição, conhecimento do imponderável, sensibilidade. A balança está dentro do próprio tradutor. O próprio tradutor é esta balança.


Quanto ao livro de Larbaud, ainda uma observação. A tradução (excelente!) do francês foi assinada por Joana Angélica d'Avila Melo e João Ângelo Oliva Neto, cujos nomes falam de anjos e outras reminiscências bíblicas e religiosas: João, oliveira, Joana d'Arc, Teresa d'Ávila...

domingo, 22 de julho de 2012

Retraduzir os evangelhos

Em seu livro O que Jesus quis dizer (Rocco, 2007), analisando traduções do Novo Testamento, Garry Wills critica conservadorismos e formalismos que não captam a força da mensagem de Jesus no texto grego original. Como Nietzsche observou (com desprezo), Deus, quando decidiu escrever, optou pelo grego não clássico, pela koiné, a linguagem dos comerciantes e cobradores de impostos, conhecida naquele tempo, na Palestina. O grego do Evangelho não é o de Platão... mas o do povão!

Nesse sentido, a linguagem evangélica não é elegante nem religiosa. Carece de solenidade, embora  o espanto sagrado e a reverência pela intervenção divina na vida humana estejam presentes.


Um exemplo. Jesus ressuscitado, no mesmo dia em que saiu do túmulo, encontra dois discípulos no caminho entre Jerusalém e Emaús (cf. Lc 24, 13-25), e lhes pergunta (em aramaico, naturalmente) por que parecem tão tristes. Estes, não o reconhecendo, relatam o fracasso do Nazareno. Quando Jesus lhes dirige a palavra, os chama de "néscios" ou, segundo outras traduções, "estultos" ou "sem inteligência", dependendo da edição.

A palavra grega é ἀνόητοι (anóetoi), e requer tradução atualizada. Jesus os chamou de "desmiolados", "tapados", "bobos" ou "lesados". E os dois não se ofenderam porque o tom de voz carregava um misto de carinho e perplexidade. No original, por se tratar de um vocativo, há a letra ômega   ἀνόητοι —, indicando espanto, ironia, solidariedade etc.

Para esta passagem proponho a seguinte retradução: "Ah, seus tapados..."!

domingo, 15 de julho de 2012

Citar é uma arte... e traduzir é preciso

Citar é uma arte, e citar textos que foram escritos em outros idiomas pode conferir uma autoridade adicional à nossa argumentação e/ou atrair a admiração do leitor. Citar traduzindo, no entanto, é mais acessível e mais útil.


E é aí que ressurge o velho problema: nem sempre as traduções disponíveis são as melhores. No artigo "A beleza de citar", apresento e comento cinco casos (um em inglês, um em francês, dois em grego e um em latim). O artigo pode ser lido aqui. Foi publicado na Revista Língua Portuguesa, n. 81, deste mês de julho-2012. A revista já chegou às bancas.