O poeta, dramaturgo e filósofo espanhol Ramón de Campoamor (1817-1901) vive no ostracismo. Suas obras não suportaram a passagem do tempo. Ao longo do século XX, foram se tornando mero registro literário. Não há nelas o fogo da originalidade. Nenhuma editora brasileira, em sã consciência, teria interesse em traduzi-las hoje.
Lendo alguns poemas curtos que Ramón de Campoamor escreveu sob o título de Humoradas, este me chamou a atenção:
Yo conocí un labrador
que, celebrando mi gloria,
al borrico de su noria
le llamaba Campoamor.
Mistura de modéstia e ironia (e um pouco de profecia involuntária), como ficariam esses quatro versos em português?
A única dificuldade está na palavra noria, "engenho para tirar água de poços ou cisternas, composto de uma roda que faz girar a corda a que estão presos alcatruzes" (Dicionário Houaiss), "nora" em português.
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Burro de nora |
Quem atualmente sabe o que é o burro de nora? "Nora", para nós, mais do que o mecanismo da ilustração ao lado, é como chamamos a esposa em relação ao pai ou à mãe de seu marido. (Curiosidade: esta "nora" em espanhol é nuera.)
O contraste entre gloria e noria está patente em espanhol. Mas que soluções haveria em nosso idioma para manter essa tensão entre fama e rusticidade? Confirmamos a presença do burro de nora, procurando uma palavra para rimar, que não seja "glória"?
Conheci um lavrador
que homenageava minha obra
chamando de Campoamor
seu burrinho de nora.
Se mandarmos o burro passear e quebrarmos a nora, teremos que achar um outro animal:
Conheci um lavrador
que me prestava homenagem
chamando de Campoamor
seu boi de pastagem.
O boi de pastagem entrou de gaiato nessa quadra. Poderia um simples lavrador ser proprietário de um boi de pastagem? Por outro lado, o boi parece mais "nobre" do que um burro que fica dando voltas burramente...
Conheci um lavrador
que por minha reputação
chamava de Campoamor
seu burrinho de estimação.
O burro reaparece, sem a nora. Só espero não ter dado com o burro n'água...